A questão que se coloca é muito simples: de que adianta toda esta preocupação com a proveniência dos alimentos frescos — a romantização do natural — se na prática continuamos a cometer os mesmos erros fatais na nossa cozinha?
Vejamos:
1 — Compramos um ovo biológico e, em seguida, vamos estrelá-lo numa frigideira com película antiaderente. Esta película é um complexo sintético com moléculas comprovadamente disruptoras endócrinas e eventualmente carcinogénicas — os PFOA e PFOS.
2 — O remanescente do almoço ou jantar guardamos habitualmente num tupperware de plástico — com moléculas estabilizadoras dos polímeros de plástico como os bisfenóis (BPA) — e colocamos no congelador. Semanas depois vamos aquecer esse mesmo recipiente no micro-ondas, favorecendo a passagem destas moléculas para a comida que vamos depois ingerir.
3 — Carregamos todo os dias garrafas de plástico com água mineral de excelente qualidade. No entanto, essa mesma água esteve dentro dessa mesma garrafa durante semanas, senão meses, estagnada, em paletes, em armazéns, em contacto com os polímeros de plástico e as respetivas moléculas estabilizadoras. Ao ingeri-la estamos a aportar todas as substâncias nefastas que conseguiram passar para a água. Reparem: é ou não verdade que o conhecimento geral nos diz que não devemos deixar garrafas de plástico com água dentro dos nossos veículos, ao calor, e depois bebermos essa mesma água?
4 — Olhando para os carrinhos de compras da generalidade dos frequentadores dos supermercados, constatamos que há uma exacerbação no consumo de alimentos processados e embalados. Não quero aqui sequer abordar os famigerados aditivos alimentares, muitas vezes camuflados com nomes pomposos. Quero apenas focar-me na quantidade mirabolante de embalagens de plástico e de latas que são adquiridas.
5 — Dizem-nos que fazer barbecue, grelhados, é saudável. Até podia concordar se não constatasse que muitas pessoas usam, para ativar o carvão, acendalhas químicas, cujo fumo passa indefetivelmente para os alimentos que vamos ingerir de seguida. Pior, quando torramos os alimentos, particularmente os hidratos de carbono, forma-se acrilamida. A acrilamida é um subproduto tóxico, associado a vários tipos de cancro. É o equivalente à inalação do fumo do cigarro e à ingestão de carnes fumadas e processadas, classificadas pela OMS como perigosas para a saúde humana.
E esta lista podia continuar infinitamente. Podia falar dos detergentes e outros produtos de limpeza das bancas e utensílios de cozinha, dos pesticidas e outros fitoquímicos sistémicos e superficiais das frutas e legumes, do uso erróneo de gorduras em altas temperaturas, etc.
Na minha humilde opinião, a sociedade constringiu-se a viver numa bolha assética, química, com uma crença, um medo irracional, coletivo, de doenças infeciosas. A sua perda de contacto com a Natureza está a conduzi-la paulatinamente para um aumento exponencial do cancro e de doenças metabólicas.
Urge, então, mudar o paradigma:
Cozinhar a vapor.
Recuperar da dependência do consumo exagerado de proteína e gordura animal, rica em ácido araquidónico — ácido gordo PRÓ-inflamatório —, contornando a mais que evitável Low Grade Inflammation — a inflamação típica das pessoas com excesso de peso.
Ingerir menos cerealíferas e mais frutas e vegetais crus, ricos em antioxidantes.
Consumir mais peixe “azul”, rico em ómega 3 (EPA e DHA), com a preocupação sempre presente da sustentabilidade das espécies marinhas.
Comer quantidade menores de comida. Ao jantar comer ainda menos, para favorecer o sono.
Usar uma solução de bicarbonato de sódio a 2% (uma colher de chá para uma taça de água com frutas e vegetais), durante 15 minutos, para “descontaminar” a maioria dos fitoquímicos existentes na superfície.
Usar frigideiras de cerâmica e evitar arranhar a superfície, usando utensílios de madeira.
Usar recipientes de vidro Pirex.
Beber muita água da fonte (controlada microbiologicamente) e transportá-la, durante o dia, em recipientes de aço inoxidável 304 ou vidro sem chumbo.
Usar sacos de linho/algodão reutilizáveis para as compras dos vegetais frescos.
Fazer biocompostagem, separando os resíduos orgânicos não cozinhados para contentores próprios, com minhocas.
Estas são apenas algumas sugestões. Cabe a cada um trilhar o seu próprio caminho.