Não me vou alongar sobre temas fraturantes. Remeto o leitor para a sua própria pesquisa. Sei, contudo, que é mais fácil apontar o dedo àquilo que nos é nefasto, do que o que nos é, verdadeiramente, benéfico.
Quando sou interrogado relativamente aos malefícios do sal, por exemplo, respondo invariavelmente que, se o indivíduo está completamente saudável — tensões arteriais normais, pratica exercício físico, não padece de patologias crónicas e/ou metabólicas —, o uso moderado de sal integral — não somente cloreto de sódio — pleno de oligoelementos, tal e qual é extraído do mar, não parece implicar qualquer tipo de controvérsia. Inclusive, aconselho amiúde colocar uma pedrinha de flor de sal, sublingual, quando as pessoas me apresentam um cansaço profundo, derivado de falta de energia vital. Por vezes recomendo, em alternativa, um dedal de água do mar esterilizada, ovas (caviar), ovos biológicos ou geleia real. À luz da Medicina Tradicional Chinesa, significa, num padrão muito próprio, que a energia do rim está desgastada e necessitamos de suprir essa falência, sob pena de a exaurirmos inexoravelmente.
Para que entendam a necessidade dos oligoelementos, lembrem-se que todos os seres vivos tiveram a sua origem no mar — a sopa primitiva.
Os oligoelementos são cofatores essenciais de incontáveis processos bioquímicos — muitos ainda não estudados…
Mas o motivo que me leva a escrever este artigo não é o sal… É o açúcar…
Factos sobre o açúcar:
1 — Desde o ano 1900 que o consumo de açúcar quadruplicou, o que faz com que — alegoricamente — não nos seja difícil imaginar que uma criança, nos dias de hoje, já tenha comido tanto açúcar como o seu avô em toda a sua vida.
2 — O cancro gosta de açúcar. No procedimento PET-Scan — diagnóstico state of the art para deteção de metástases no corpo — é administrada uma solução de glicose (em bom rigor, um análogo da glicose — açúcar) marcada radioativamente. O motivo é que o rápido crescimento das células tumorais consome mais avidamente a glicose do que as células normais.
3 — O açúcar excita. Dão-se alimentos e bebidas açucaradas (e com cafeína) às crianças e depois são-lhes diagnosticadas síndromes de hiperatividade e défice de atenção. Na maioria dos casos, uma simples correção dietética (mais ácidos gordos polinsaturados, do tipo DHA, e menos açúcares refinados) poderia contribuir e muito… para a uma eficaz resolução…
4 — O açúcar é aditivo. Atua nas mesmas zonas do cérebro que certas drogas recreativas, como a cocaína. Investigadores franceses descobriram que os ratinhos de uma experiência preferiam a água açucarada (ou adoçada) à cocaína.
5 — O açúcar é inflamatório. Costumo dizer que o grande problema da atualidade não é as pessoas estarem com excesso de peso… é estarem inflamadas. Geram-se terrenos propensos a patologias mais complicadas de debelar.
6 — O açúcar tem uma estrutura molecular semelhante à vitamina C. A grande maioria dos mamíferos consegue sintetizar a vitamina C (ácido ascórbico) para os seus processos bioquímicos e para o combate a infeções, a partir da glicose. Os humanos e uns parcos “primos” primatas, por motivos de evolução natural, perderam a capacidade inata de produzir a L-gulonolactona oxidase, enzima que faz essa conversão. Então, quando ficamos engripados, como não somos capazes de converter a glicose em vitamina C como os restantes animais, é recomendável comer poucos doces e muita vitamina C. Isto porque o açúcar vai competir com a vitamina C na entrada das células para o combate às infeções. Ficamos mais vulneráveis se comermos doces na altura das gripes.
7 — O açúcar acidifica os tecidos conjuntivos e, em última instância, promove a desmineralização óssea e outras patologias severas.
8 — O açúcar engorda. Por isso alguns antidiabéticos orais como a metformina são usados erroneamente, em automedicação, por indivíduos não diabéticos para emagrecer.
9 — O açúcar provoca cáries dentárias.
10 — O açúcar ajuda a desencadear a manifestação de doenças metabólicas e crónicas como a diabetes — a epigenética a influenciar a propensão genética.
Alucinante, não acham? E a esta lista ainda poderíamos acrescentar muitos outros aspetos envolvendo o (ab)uso do açúcar refinado…
No entanto, relembro que é mandatório não contabilizar apenas o açúcar branco ou amarelo processado que adicionamos aos nossos cozinhados ou ao nosso café ou chá. Sub-repticiamente, ingerimos açúcar em praticamente todos os alimentos processados, ou seja, todos os alimentos que nos chegam em embalagens plásticas, latas, etc. Basta olhar para os rótulos… Alguns produtores são explícitos. Outros optam por disfarçar a inclusão do açúcar com o uso de nomenclatura menos clara, que passa despercebida aos mais desatentos: “açúcar invertido, sacarose, maltose, dextrose, lactose, frutose, glicose ou glucose, xarope de glicose, xarope de milho, e xarope de açúcar amarelo, entre outros xaropes…”
A glicose, não obstante, é fundamental aos nossos processos bioquímicos. É a partir da glicose que obtemos a energia, o ATP.
Então, o que fazer?
Para indivíduos não diabéticos, recomendo reduzir o consumo de pão branco, massas, bolos, biscoitos e bolachas. Eles vão ser convertidos internamente em glicose (e ulteriormente em gordura, quando em excesso).
Em alternativa ao açúcar, aconselho escolher alimentos com fibras solúveis açucaradas e baixo índice glicémico, como o xilitol, ou então usar açúcar integral mineralizado ou mel biológico, tal e qual os obtemos na natureza. Gosto particularmente da rapadura, açúcar de coco e do açúcar mascavado de cana, não processados. Usar, ainda assim, com moderação.
Outra alternativa interessante é adoçar sobremesas e pequenos almoços com frutos desidratados, como os frutos do bosque — o mirtilo e o arando ou tâmaras. Em Portugal, podemos usar também as passas e as sultanas, ameixas e figos secos.
Devemos optar por amidos integrais mais complexos e que apresentem melhor digestibilidade como a mandioca (tapioca), batata doce, cenoura ou feijão, quebrando a enraízada dependência das farinhas de cereais, e ponderar reduzir o número total de refeições diárias, evitando os cravings intermédios — como a indefetível “bolachinha” nos intervalos do trabalho, combatendo, assim, a resistência à insulina!
Outra situação capciosa é a substituição do açúcar refinado pelos adoçantes (artificiais, como a sacarina e o aspartame, ou naturais, como a stevia).
O esquema, de um modo muito redutor, é o seguinte: na boca, as papilas gustativas, ao reconhecer o poder adoçante destas moléculas, que chega a ser 200 vezes mais potente do que o açúcar, vão preparar o pâncreas para a produção de uma grande quantidade de insulina. Mais abaixo no trato digestivo, os recetores vão detetar uma realidade totalmente contraditória — afinal, não entrou açúcar nenhum e é enviada para o pâncreas a mensagem para deixar de produzir insulina, porque a informação inicial afinal estava errada… O que acontece é que dia após dia de ingestão de “zeros” e outros alimentos que substituíram o açúcar por edulcorantes, o pâncreas vai ficar à beira de um “ataque de nervos”. Em última instância, esta situação pode proporcionar, paradoxalmente, um terreno favorável à manifestação de diabetes.
Para quem já é diabético (tipo II), o índice glicémico dos adoçantes (zero) pode até não ser assim tão negativo. No entanto, há outros aspetos menos positivos a ter em consideração quando abusamos dos adoçantes…
Todas as sugestões apresentadas não dispensam o acompanhamento pelo seu profissional de saúde.
Referências:
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Michels AJ, Frei B. Myths, artifacts, and fatal flaws: identifying limitations and opportunities in vitamin C research. Nutrients. 2013;5(12):5161-92. Published 2013 Dec 16. doi:10.3390/nu5125161
Swithers SE, Laboy AF, Clark K, Cooper S, Davidson TL. Experience with the high-intensity sweetener saccharin impairs glucose homeostasis and GLP-1 release in rats. Behav Brain Res. 2012;233(1):1-14.
Vikas P., Sundeep M. The truth about artificial sweeteners – Are they good for diabetics? Indian Heart Journal, Volume 70, Issue 1, 2018, Pages 197-199, ISSN 0019-4832,