A Incomum esteve com ela para uma conversa onde nos contou um pouco sobre o desporto da sua vida e os seus planos para o futuro.
Como surgiu o boxe na tua vida?
Foi aos 14 anos, diagnosticaram-me asma e o médico aconselhou-me a fazer desporto. Uma amiga minha desafiou-me a ir com ela ao boxe - eu sempre tive esse bichinho de ser desafiada, é uma coisa que mexe comigo. Lá fui, cheia de vergonha, mas fui. Até chegar lá dentro confesso que estava um pouco assustada, não era o meu mundo. No primeiro dia, lembro-me perfeitamente, o mister “Litos” chamou-me para fazer ‘sparring’, que é luvas de contacto, e eu pensei “nem dar socos sei como vou fazer ‘sparring’?”. Ele deu-me socos na cara, e eu fiquei muito chateada. No final do treino, ele disse-me “se tu gostaste disto, amanhã estás cá”. Saí a dizer que não punha mais lá os pés. Mas a verdade é que no dia a seguir dei por mim a fazer saco. E foi surgindo, aquela vontade. Passado uma semana a minha colega deixou de ir e eu nunca mais saí. Experimentei, reclamei um bocadinho mas depois apaixonei-me. Passado seis meses, convidaram-me para ir para o Futebol Clube do Porto, para entrar em competição, e assim fiz.
Qual foi o teu primeiro combate?
O primeiro combate que fiz foi pelo FCP, em Coimbra, contra uma atleta de kickboxing.
E a tua família, apoiou-te?
O meu pai ficou muito entusiasmado, a minha mãe não, não achou muita piada, mas foi ver o meu primeiro combate.
Como é subir e estar num ringue?
A sensação de subir ao ringue é indescritível porque sente-se um misto de emoções, adrenalina e medo de falhar. Não é medo da adversária - não digo que nunca tenho medo - mas tenho mais medo de falhar eu própria. Porque a gente treina e tem ali um espírito de sacrifício e um trabalho muito grande antes de subir ao ringue, mas sente-se medo, adrenalina, felicidade, eu sempre fiquei muito feliz por ir jogar. Há pessoas que ficam nervosas, chateadas, não querem que ninguém lhes fale, eu sou o oposto, eu sinto-me mesmo feliz, porque é aquilo que eu gosto de fazer. Até ouvir o “boxe”, que é a campainha, até sentir a primeira pancada da adversária, parece que os braços nem querem sair, o corpo treme. Mas depois da primeira pancada sabes o que fazer. E depois quando acaba temos aquela descarga de energia e adrenalina, já acabou, “missão cumprida”.
Como te preparas para as adversárias?
Eu não tenho o hábito de estudar o adversário. Eu tenho uma filosofia: ela tem dois braços, duas pernas, uma cabeça, exactamente como eu, eu tenho é que me superar a mim e treinar para mim, dar o meu melhor. Isso é trabalho para o meu treinador, ele é que vai-me orientar e estudar para mim. Sempre acreditei muito no meu treinador, é o nosso pilar, é a pessoa em que temos que ter muita confiança, melhor que ninguém eles sabem os nossos limites.
Foi, então, muito rápida a transição para as competições.
Sim, passado meio ano.
Não sentiste uma pressão maior?
Não, porque fui num espírito de experimentar, o que der, deu. Fui mais por diversão e experimentar para saber se era capaz.
As pessoas à tua volta, como reagiram?
Ficaram muito surpreendidas, principalmente a família e os amigos chegados, também o meu namorado. Mas depois de verem, acho que sentem orgulho, que gostam e acompanham.
Depois do primeiro combate, nos combates seguintes, as sensações mantêm-se?
Varia sempre do nosso estado de espírito, como a gente se sente, se nos sentimos bem, preparadas. Há vezes que nos sentimos melhores fisicamente, outras menos, mas as sensações tu sentes sempre, é incrível. Por mais experiências que tenhas, sentes sempre o medo, o nervosismo, receio, isso nunca vai desaparecer, independentemente de adversários. Claro que há umas que impõem mais respeito, que exigem mais de ti, mais trabalho teu. Também tem a ver com os campeonatos, com o que a gente vai jogar. Até mesmo com quem já jogaste, ficas sempre receosa, o boxe tem isso de bonito. É sempre incerto, imprevisível. Num momento podes estar a ganhar mas no outro momento podes perder.
Até hoje, qual foi a adversária que mais respeito “inspirou”?
Foi contra uma holandesa, num campeonato internacional, há 3 anos, no Odivelas Box Cup. Foi a primeira vez que eu não brinquei, entrei num estado mais sério e senti ali um peso e responsabilidade maiores, era uma adversária olímpica, com um histórico incrível e confesso que fiquei nervosa. Além de ter muitos atletas inscritos, o espaço em si já me deixava nervosa – pelo bom e pelo mau – por causa da pressão, queres mostrar trabalho. E quando a vi, pensei “esta vai-me dar trabalho” porque há umas que tentam mostrar que são más, e ela não, extremamente simpática, descontraída, cumprimentou-me sorridente e a cara dela concentrada, serena, focada. Quando foi para subir ao ringue, o árbitro chama-nos, explica as regras, etc., e ela com um olhar dócil, desejou-me sorte, recuámos, e quando tocou a campainha, a expressão dela mudou radicalmente. Mas senti adrenalina, porque adoro bons desafios, motiva-me, então no primeiro assalto consegui pô-la no chão. Mas levantou-se tão rápido… Nos primeiros dois assaltos, senti-me bem, a partir do terceiro comecei a descer e ela começou a subir de tal forma, senti-me aflita, e, logo no início do terceiro assalto, senti a pancada dela. Até ao fim foi lutar. Dos 33 combates que tenho, foi uma das minhas 2 derrotas.
E a outra derrota, com quem foi?
Foi com a Nancy, uma amiga e atleta portuguesa pela qual tenho muito respeito. Foi uma das melhores e dificultou imenso.
Quantos títulos arrecadaste?
Fui 5 vezes Campeã Nacional e joguei no Odivelas Box Cup, onde ganhei a medalha de prata, e tenho outros combates em Espanha, mas são galas.
Todas as vezes que ganhaste, como foi?
É espectacular. Não há palavras para descrever a felicidade que sentes contigo própria. Trabalhaste tanto, conseguiste conquistar e depois, não há palavras, uma pessoa nem acredita. Não é “sou mais que alguém”, as pessoas devem ter sempre humildade e desportivismo, duas coisas essenciais para mim. Mas nem eu consigo transmitir, quando conquistas algo que tanto trabalhaste, é fantástico, só isso faz-te querer mais e mais.
Achas que isso é um factor que te diferencia das outras atletas da tua categoria?
Persistência talvez, porque eu já tive duas lesões que supostamente me deviam fazer parar e eu não consigo deixar. Acho que persistência e força de vontade, talvez seja algo que me possa distinguir. É uma paixão e não consigo deixar.
Tens algum ídolo ou atletas preferidos?
Sim, tenho, a Katie Taylor, acho que não há ninguém que não goste dela; o Manny Pacquiao, é homem é verdade, mas eu adorava ser como ele em forma feminina, uma rapidez, é incrível. Aqui em Portugal, há dois atletas que tenho muito orgulho neles, o Davi e o Isma, que começaram agora em profissional, são grandes exemplos para mim. E é bom haver no nosso país gente que nos motiva e incentiva.
O teu combate de sonho seria contra quem?
Seria a Katie, sem dúvida. Se tivesse oportunidade, era um sonho completamente realizado.
Em algum ringue ou cidade específicos?
Tanto faz, até podia ser no meio da rua (risos).
Tens algum soco preferido?
Para mim é o direto. Adoro conseguir acertar ali com toda a minha força, sem dúvida, simples, prático e eficaz.
Que pessoas aconselhas a praticar boxe?
Todo o tipo de pessoas. Sejam crianças, adolescentes, adultos, pessoas de idade, toda a gente. Claro que no boxe (que tem manutenção e competição), dentro da competição, aconselho quem vá que goste realmente porque é essencial, antes de saber dar tens que aprender a levar. E há muita gente que acaba por sair porque não sabe levar, ficam ofendidos. Quem vai para competição tem mesmo que gostar, experimentar e sentir-se bem e feliz. Jogar por jogar, não aconselho a ninguém, não fazes um bom trabalho porque não dás o melhor de ti. Mas manutenção? Qualquer pessoa pode dar murros, pode descarregar, brincar num saco. Eu nas minhas próprias aulas tenho alunos novos, pessoas de idade, pessoas com problemas de saúde. Mas nem que seja uma vez na vida, aconselho a experimentar boxe.
É uma maneira saudável de descarregar negatividade?
Todos nós temos dias maus. Às vezes uma pessoa nem tem vontade de treinar, mas quando vais, treinas e dás aqueles socos, nem que seja só a brincar, até te podem chatear outra vez que já nem levas a mal, à noite já dormes melhor, deixas tudo lá atrás. Quando entras numa sala de boxe é como se fosse um consultório de terapia, vais ali e nem precisas de falar, mas vais descarregar tudo. Tudo aquilo que te está a fazer mal, no fim, já nem pensas nisso, ficou no saco, no plastron, nas gargalhadas com o parceiro de treino. Para mim é importantíssimo haver espírito de equipa. O boxe é individual, é verdade, somos nós que subimos ao ringue, mas sem um espírito de equipa não somos ninguém. Eu adoro aprender com toda a gente, com várias maneiras de ver. É muito mais fácil, quando começas, ter alguém ao teu lado que te dê motivação. Ou seja, o boxe é para toda a gente e é de certa forma uma terapia.
É a mensagem que passas aos teus alunos?
Descarrega, diverte-te, eu danço nas minhas aulas, não deixo ninguém estar parado. O ambiente que eu crio, neste caso para os meus alunos, é o que eu gosto que me transmitam a mim. Num treino deve haver disciplina, tem que haver disciplina, dedicação e empenho, mas não precisa ser militar. Porque trabalhas muito mais quando te sentes em casa. Descarrega, deixa tudo aqui, descontrai, sorri, energia positiva.
Não sentes uma certa responsabilidade ao ensinar boxe, um tipo de combate?
Eu odeio violência. Nos adultos eu não tenho controlo disso, cada um faz a sua vida e cada um sabe das suas atitudes. Mas o que transmito, principalmente aos mais novos, é que quem sabe, tem que se saber controlar. O boxe vai-te obrigar a ter um auto controlo muito maior, obriga-te a ter este lado: “se tu sabes que vais magoar tens que ter outra responsabilidade; o boxe é para dentro do ringue". Mas sim, é um sentido de responsabilidade muito grande.
Como veio a decisão de dar aulas?
Foi um convite que surgiu. Eu sempre gostei muito de ensinar, mesmo na minha equipa, adorava ajudar os novos que vinham. Às vezes deixava o meu treino e ficava com eles porque eu já estive a começar e gostava quando tinham paciência comigo, toda a gente começou do zero. O que eu sei, eu gosto de transmitir, da mesma forma que gosto que me transmitam a mim. E eles também me ensinam muito. Uma pessoa apanha de tudo, todo o tipo de personalidades e maneiras de pensar. Vejo muita gente agora a começar no boxe a dar socos muito melhor que eu. Eu era horrível (risos), era muito desastrada. Agora vejo as pessoas a fazer boxe com muita facilidade, isso deixa-me feliz, mas agora também há muita aderência, cada vez mais mulheres. Quando comecei eram só homens. É ótimo ver as mulheres a quererem marcar presença.
Há preconceitos em relação às mulheres?
Ainda há preconceito, mas antigamente havia mais. Quando entrei, e eu sabia que não faziam por mal, havia muito “não te bato porque és mulher”. Ouvi sempre isto e nunca trabalharam comigo a 100% porque era mulher, mas isso obrigou-me a trabalhar o triplo. E bastou um para me ver como um adversário, nem homem nem mulher, para que outros começassem também a levar-me a sério.
Vais continuar a dar aulas ou tencionas voltar às competições?
Sim, já reduzi as aulas, e tenho reduzido, porque vou retomar a minha vida de competição. Não posso adiantar muitos detalhes mas posso dizer que quero voltar em grande e estrear-me no mundo profissional.
O que é que o boxe acrescentou à tua vida?
Deu-me a conhecer pessoas fantásticas, e más também. Ajudou-me a ter auto confiança e autoestima. Acrescentou alegria, porque descobri uma coisa que sou boa a fazer e sou feliz a fazê-la, nunca me enjoo, passados estes 12 anos. Acrescentou-me lágrimas, sacrifícios e restrições também porque privo-me de muita coisa, de estar com amigos, família, namorado, comer o que gosto, muita coisa. Mas de resto, é tudo bom, pessoas, momentos, vivências, são coisas que acrescentam em todo o sentido e nos fazem crescer. Sentes-te confiante, segura.
Tens alguma dica para quem quer praticar boxe?
Nunca vos deixem dizer que não são capazes. Todos nós somos capazes. Mais lentos, mais rápidos, com mais dificuldade ou menos dificuldade. Toda a gente que gostar do desporto e tenha aquele bichinho de experimentar, deve ir e não ter medo, não dizer “eu não consigo”. Na altura, também não achei que ia fazer boxe de competição, quem me conhecia dizia “não, não vais”, também não acreditavam. Todos nós conseguimos. Há sempre alguém a dizer “isso não é fácil, tu não consegues” e acabas por pensar “se calhar até não consigo”. Mentira. Não deixar o ego subir, não há necessidade, ninguém é melhor que ninguém. Todos temos a nossa maneira de estar, uns melhores que outros, mas não é isso que te faz melhor pessoa. De resto, desfrutar. Quem está a começar no boxe que desfrute, que dê uns murros a sorrir. É importante não viver no negativismo. "Está mal, vá fazer boxe” (risos). As pessoas têm que ser mais alegres e o boxe faz bem a tudo, à cabeça e ao corpo.
Queres deixar uma mensagem às pessoas importantes que te ajudaram neste percurso?
Quero agradecer ao meu “maridão”, ele atura-me muito quando fico “Gru Maldisposto” (risos), quando tenho baixa auto estima, quando me sinto incapaz. Ele está ao meu lado a puxar-me para cima, assim como a minha família e amigos mais chegados, sem eles não era capaz. É importante ter estes pilares na nossa vida porque todos temos momentos de fraqueza e temos que meter na cabeça “eu sou capaz, eu consigo” porque se uma pessoa começa a fazer uma coisa a dizer que não é capaz, que não consegue... Se pensares “eu consigo”, chega o momento que vais conseguir.