sexta, 28 dezembro 2018 23:11

Gorduras, supernutrientes

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Serão, afinal, as gorduras o terrível “bicho-papão” que leigos e especialistas decidiram estigmatizar nas últimas décadas?

Do meu ponto de vista, as gorduras são dos nutrientes mais importantes para a saúde humana. Não devemos, em circunstância alguma, relegá-las para segundo plano ou, pior ainda, obliterá-las da nossa dieta.

Passo a explicar: quando pensamos em gorduras, na nossa mente, sobrevêm imagens medonhas de fritos, natas, margarinas, manteigas, etc. Aterroriza-nos a ideia de os óleos vegetais terem muitas calorias e podermos engordar…

É verdade que certas gorduras, especialmente gorduras más, não são benéficas à saúde e engordam, mas, em bom rigor, engordamos mais facilmente quando o nosso corpo cria gordura a partir das calorias que sobram de uma dieta rica em cereais e açúcares — dos bolos, pasteis, folhados, biscoitos, bolachas, massas, pão.

A gordura assim gerada é um mecanismo natural para podermos resistir vários dias sem comer, caso tivéssemos de enfrentar privações. É uma reserva… Quando em excesso, torna-se perigosa, obviamente, além de inestética.

Precisamos, em relação às gorduras que ingerimos, é de ser cuidadosos na escolha das que nos são mais benéficas e com o processamento a que as vamos submeter.

Das variedades que estão disponíveis para consumo, temos basicamente as gorduras saturadas, as mono e polinsaturadas, e depois temos as gorduras processadas, como por exemplo as hidrogenadas.

As gorduras saturadas são aquelas cujas cadeias moleculares são menos flexíveis — sem ligações duplas. Por isso são geralmente sólidas à temperatura ambiente. Quando ingeridas com frequência, vão incorporar as membranas celulares e torná-las menos fluídas, dificultando a permeabilidade, a condução de impulsos elétricos e as trocas de nutrientes entre o meio intra e extracelular. Se nos cingirmos ao tecido neurológico, estamos perante um terreno que favorece as doenças mentais e neurológicas, como a depressão e o Alzheimer.

Em contexto de aulas, gosto da alusão à seguinte alegoria: imaginemos que estamos no interior de um autocarro em hora de ponta. Se estivermos todos de pé, com os braços para baixo, à medida que o autocarro vai enchendo, vamos ter dificuldade em nos movimentar (até para coçar um olho). Isso é precisamente o que acontece na nossa membrana celular quando são incorporados ácidos gordos saturados — torna-se pouco flexível, não permitindo os movimentos naturais dos componentes da membrana.

As gorduras polinsaturadas proporcionam um espaçamento que dá liberdade e permite movimentos laterais dos componentes da membrana e entre as duas faces da membrana. É como se estivéssemos num autocarro com os braços a as pernas abertas — agora sim, é possível nos movimentarmos com mais facilidade. Ufa…!

Para uma maior flexibilidade da membrana também contribui a inclusão de moléculas de colesterol. Sim, perceberam bem… Co-les-te-rol. Voltaremos a isso noutro artigo.

Por outro lado, o organismo tem dificuldades em considerar as gorduras hidrogenadas, como as margarinas vegetais, como um verdadeiro alimento. O corpo, ao absorvê-las, vai aumentar o mau colesterol (LDL), colocá-las quase que diretamente nos depósitos adiposos e à volta dos órgãos e artérias. Não entram nas contas das funções celulares, fundamentais ao bom funcionamento orgânico.

Devemos, por conseguinte, usar óleos virgens, de primeira pressão a frio, como o de linhaça, colza, noz, sésamo, etc., e não os cozinhar, usando-os, por exemplo, para regar saladas ou outras comidas, como legumes ou peixe cozidos a vapor.

Estes óleos estão repletos de nutrientes essenciais — os ácidos gordos polinsaturados. Destes, mercê das suas propriedades anti-inflamatórias, salientamos os do tipo ómega 3. Não nos devemos preocupar tanto com o ómega 6, porque o rácio ómega 6 / ómega 3 está atualmente em níveis de 15 / 1… Deveria estar em 4 / 1

Para um bom funcionamento mental e cardiovascular devemos então privilegiar os peixes “azuis” — sardinha, cavala, etc., porque são ricos em ómega 3 — EPA e DHA. Devemos usar e abusar da espantosa pera abacate e das nozes, amêndoas e pinhões. Como estamos em Portugal, um bom azeite extra virgem, de primeira pressão a frio, rico em ácido oleico e polifenóis, é também um estupendo alimento.

Ponto de fumo, já ouviram falar?

Pois bem, o ponto de fumo é aquele ponto em que, quando deixamos um óleo a aquecer numa frigideira, para fazer pipocas, por exemplo, e nos esquecemos de lá colocar o milho, surge um fumo branco, que geralmente nos obriga a tossir com veemência, e o óleo fica enegrecido. Significa então que o ponto de fumo foi ultrapassado e foram formados subprodutos, devido ao processo físico de aquecimento, como aminas tóxicas e radicais livres. Há um subproduto em particular, comprovadamente carcinogénico — a acroleína.

Quando vamos a um restaurante e sentimos que o óleo de fritar já foi usado várias vezes a altas temperaturas, o pensamento que nos vem instintivamente à mente não é nada agradável… pois não?

Mas, em bom rigor, não nos devemos preocupar apenas com a fritura. Baixas temperaturas (aproximadamente 50 ºC) e excessiva exposição ao ar já são suficientes para promover a oxidação dos óleos e perdermos a maioria das principais características nutricionais — e até terapêuticas — dos bons óleos de primeira pressão a frio.

Quando decidirem usar um óleo para estrelar um ovo ou saltear uns legumes na frigideira, sugiro o óleo de coco, o ghee — ou manteiga clarificada — ou até mesmo uma mistura de azeite extra virgem misturado com os outros dois.

O uso de óleo de coco é extremamente controverso, tendo vindo recentemente a lume inúmeras alegações relacionadas com a sua carga de gorduras saturadas (ainda que vegetais). Não quero entrar em celeumas, portanto, remeto o leitor para uma pesquisa minuciosa em publicações científicas robustas.

Do meu ponto de vista, de uma forma muito redutora, desde que usado com moderação, como tem um alto ponto de fumo e é rico em triglicerídeos de cadeia média (TCM), como o ácido láurico, continua a ser uma excelente opção para ser usada na culinária.

Todas as sugestões apresentadas não dispensam o acompanhamento pelo seu profissional de saúde.

Ler 2616 vezes Modificado em segunda, 14 outubro 2019 14:21
Ricardo Novais

Ricardo Novais é naturopata. Licenciado em Ciências Farmacêuticas, com pós-especialização em Análises Clínicas e detentor de pós-graduações em Terapias Naturais e Complementares e Acupuntura Integrativa, Ricardo dá aulas de farmacologia e nutrição integrativa em várias escolas de saúde do país.

O seu percurso pela saúde preventiva começou há vários anos, com a convicção de que a base da nossa saúde está numa alimentação natural, ou seja, o menos processada possível, aliada ao exercício físico e à eliminação/redução do stress diário. Tentando voltar à Mãe Natureza, conseguiu integrar os seus conhecimentos científicos com o poder curativo da Terra, proporcionando alternativas a nível alimentar, nutricional, e terapêutico.

Rúbrica “Cozinhar com amor, naturalmente…”

Mercê de um estilo de vida moderno, o ser humano passou a estar mais sujeito aos tóxicos externos, provenientes da poluição do ecossistema, da alimentação industrial, processada, e do uso exacerbado de medicamentos e aos tóxicos internos, produzidos pelo organismo quando se encontra em permanente stresse.
Devemos saber reconhecer os sinais que o corpo evidencia quando começa a ficar sem capacidade de eliminar os excessos. Devemos estar alertas para os perigos que podem sobrevir dessa intoxicação.
É fundamental conhecermos as ferramentas adequadas para favorecer a eliminação dos resíduos acumulados a nível celular e tecidular.
Da paleodieta ao crudivorismo, vamos mostrar comida simples e fácil de confecionar. Com um enfoque na conjugação de nutrientes e sabores e na transformação acertada dos alimentos, vamos proporcionar a melhoria da digestão, otimizar a assimilação dos macro e micronutrientes, potenciando assim a performance do corpo humano e a eliminação das toxinas.
Tudo sem abrir mão duma gastronomia rica e saborosa.