O caso da Inês é como o de muitas outras jovens que sofrem de transtornos alimentares: não aceitação da própria imagem e corpo, levando a extremos alimentares, físicos e psicológicos.
Em conversa com a Incomum, a Inês, jurista e atualmente com 31 anos, conta um pouco da sua vida, como surgiram os seus problemas e como enfrentou a anorexia a ultrapassou e venceu os obstáculos que a doença lhe impunha.
Incomum Magazine (IM): Como é o início da anorexia? Um dia decides parar de comer ou é algo progressivo?
Inês: Só posso falar pelo meu caso mas desde o 5º ano que tinha problemas de excesso de peso. Entrei no mundo das dietas ainda muito novinha, com 14 anos. Fazia dietas parvas como não comer um dia, dieta da sopa, etc. Portanto, esteve aqui sempre latente um problema com a imagem corporal. Havia alturas em que fazia “dieta” e depois parava – nada consistente ou pensado. A morte do meu pai foi como um “trigger” para mim, a partir daí foi sempre a piorar.
IM: Quando percebeste que tinhas um problema, decidiste procurar ajuda ou a tua família ou amigos tiveram que fazer isso por ti?
Inês: Demorei muito tempo a assimilar que estava doente. Foi uma amiga de amigas (que passou por uma situação semelhante) que conseguiu finalmente chamar-me à razão. Curiosamente, e talvez por isso mesmo, não éramos próximas na altura. Claro está que hoje lhe agredeço o que fez por mim, foi ela que me “despertou”. Claro que quase diariamente os meus amigos me “chateavam” com a minha magreza mas eu simplesmente ignorava.
IM: Como é a vida de uma pessoa que tem um transtorno alimentar?
Inês: Creio que esta pergunta é difícil de responder. Para quem está de fora parece normal mas, por dentro, é uma luta constante, a cabeça não descansa. Todas as acções são pensadas, cada garfada, cada trinca é tida em conta. Para mim era uma aula de matemática constante: somas, subtrações e regras de três simples – numa palavra, extenuante.
IM: Qual foi o papel da tua família? Como é que eles lidaram com a tua doença?
Inês: A minha família sempre foi incrível. Nunca me pressionaram a ir depressa, respeitaram o meu tempo. Mas, ao mesmo tempo, sempre a dar um empurrão quando viam que precisava ou chamando-me à atenção para o que poderia melhorar.
IM: O que é que sentias quando te olhavas ao espelho?
Inês: No início sentia-me gorda. Depois fui sentindo que não estava magra ainda, não estava magra como queria.
IM: Existe a imagem de que quem sofre de anorexia mente para que não descubram a sua doença. Foi o teu caso?
Inês: Foi sim. Menti quanto ao que comia, dizia ter comido algo e não tinha; punha pratos na máquina para parecer que tinha almoçado ou jantado...
IM: O que é que as pessoas diziam quando contavas ou descobriam que sofrias de anorexia?
Inês: Não precisei de dizer que tinha anorexia porque cheguei ao ponto de ser visualmente perceptível. Pelo que não foi nunca uma surpresa mas sim uma confirmação.
IM: Qual é, para ti, a pior parte da anorexia?
Inês: O pior sem dúvida é o medo de engordar e ponderar tudo o que fazemos para que isso não aconteça.
IM: Ficaste com alguma sequela física?
Inês: Graças a Deus não.
IM: Como foi a tua recuperação?
Inês: A recuperação é para a vida toda – não é algo estanque, de x a y. O início foi doloroso, custa muito a aceitar que não podemos ser “magras” – conceito irreal e prejudicial.
IM: Diz-se que as indústrias da moda e ficção contribuem para o aumento de casos de anorexia. Qual é a tua opinião?
Inês: Penso que o pior ainda é o estigma do número de roupa – o 40 é para gordos. Sei perfeitamante que as roupas não podem ser personalizadas para cada corpo mas uma mulher pode usar 40 ou 42 e não ser gorda. Hoje em dia as próprias pessoas estimulam estes problemas pois vemos uma fotografia de uma mulher a desfilar e dizemos que não devia estar a fazê-lo.
IM: Hoje em dia utilizas o Instagram para inspirar outras mulheres a libertarem-se dos padrões e falar sobre transtornos alimentares. Qual foi a tua inspiração na luta contra a anorexia?
Inês: Não tive inspiração. Acho que fui vencida pelo cansaço e pelos problemas de saúde que começaram a aparecer em consequência da privação. Mas tenho um grupo de pessoas que não me permitiu voltar atrás, que me manda passear se começo a dizer que estou mais gorda e essas pessoas sabem o quão importantes são para mim.
IM: Tens algum conselho para outras pessoas que sofrem com transtornos alimentares?
Inês: Procurem ajuda. Não adiem. Nós sabemos o que é normal e o que é doença. Muitas das pessoas que vêm falar comigo sabem que estão doentes. O problema é que muitas vezes não dão a devida importância ao que têm. Quanto mais rápido procuramos ajuda e começar a lutar pela nossa vida mais fácil será.