terça, 19 fevereiro 2019 01:00

As vitaminas e os bichos-papão

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Apresentar resumidamente os atributos de todas as vitaminas num artigo único afigura-se, no mínimo, utópico.

As vitaminas são tão determinantes para a saúde humana que devemos ser parcimoniosos e olhar, justamente, para cada uma delas, com o merecido detalhe.

Para começar, devemos ser capazes de saber reconhecer as vitaminas lipossolúveis e conseguir distingui-las das hidrossolúveis.

Já ouviram falar da “sigla” ADEK?

É uma forma fácil de se lembrarem quais as vitaminas que são lipossolúveis: a A, D, E e K. A lipossolubilidade apresenta-se como a habilidade própria de uma determinada vitamina ser capaz de atravessar uma série de barreiras orgânicas e, apresentando uma boa biodisponibilidade, conseguir distribuir-se (e acumular-se) em quantidades interessantes no sangue e nos tecidos adiposos e, por conseguinte, nos órgãos.  Um comportamento que podemos catalogar como periclitante, pois é estreita a linha que separa a margem nutricional e terapêutica destas vitaminas da sua margem tóxica. Dito de outra forma, o consumo desenfreado de suplementos com vitaminas lipossolúveis pode acarretar toxicidade.

A vitamina D é um exemplo clássico de uma vitamina lipossolúvel, imprescindível ao bom funcionamento das nossas funções orgânicas. É fundamental para um sistema imunológico competente, essencial para uma resposta inflamatória apropriada e vital para a homeostase do cálcio e sua fixação nos ossos, evitando doenças como a osteoporose e o raquitismo.

Qualquer clínico que suspeite de défice de vitamina D, manda, antes de tudo, realizar um doseamento sérico de 25-hidroxi-vitamina D. Este valor vai traduzir os níveis de reserva desta vitamina no nosso organismo.

Sendo Portugal um país soalheiro, é surpreendente constatar como os níveis de vitamina D dos portugueses são paradoxalmente baixos.

Na minha humilde opinião, estes atípicos valores devem-se a três fatores:

1 – Os queratinócitos da nossa pele conseguem produzir vitamina D através da exposição solar e de um derivado do colesterol. Sim, co-les-te-rol… (falaremos do colesterol e das suas importantes funções noutro artigo). Não obstante, apesar de termos muito sol e muitos dias de sol, trabalhamos em grandes superfícies, em escritórios, indústrias e comércios abrigados da vital luz solar. Entramos cedo ao trabalho e saímos já escuro. Não podíamos estar a virar mais as costas à Natureza… à nossa própria Natureza. (Isso vai acabar por também se refletir no ciclo circadiano e do sono, envolvendo a produção de melatonina pela glândula pineal);

2 – A nossa alimentação é fraca. A carne e o peixe crescem em cativeiros, as frutas e os legumes são desenvolvidos fora de época e em metade do tempo, em incubadoras (estufas). Os alimentos ricos em vitamina D, como os óleos de peixe (especialmente o óleo de fígado de bacalhau), foram “empurrados” paulatina e irrevogavelmente para fora da nossa dieta;

3 – Gerou-se uma crença, um medo coletivo, dos cancros da pele. Então, ainda que uma pessoa faça uma caminhada ao sol, em horas apropriadas para a produção de vitamina D, besunta-se com carradas de protetor solar, impedindo os raios celestes de fazerem o seu subtil trabalho. Aqui, considero que os profissionais de saúde não deveriam ser tão alarmistas. Os cancros de pele, os melanomas, são reais e, por conseguinte, devemos adotar precauções adequadas. Porém, do meu ponto de vista, não devemos embarcar em exageros e histerias coletivas. As contas são fáceis de fazer: se não apanharmos sol, não produzimos vitamina D suficiente, temos uma imunidade debilitada e ficamos mais vulneráveis a todos os tipos de cancro (e outras doenças graves, incluindo as cardiovasculares).

Resumo: se apanharmos sol inadequadamente — possibilidade de contrairmos um cancro, o da pele; se não apanharmos sol suficiente — ficamos sujeitos a todos os outros tipos de cancro.

Se tiverem dúvidas, é só verificar os níveis séricos de vitamina D nos IPOs e departamentos de oncologia dos hospitais por esse país fora. Com certeza são muito baixos. Há uma irrefutável relação de causalidade.

Aqui o bicho-papão é o sol…

Para contrariar a falta desta vital vitamina são prescritos potentes suplementos mensais de colecalciferol (vitamina D3), normalmente de origem semissintética, resultantes da exposição da lanolina (da lã das ovelhas) e ergosterol (de certos cogumelos) a raios UV.

Convém relembrar que qualquer toxicidade da vitamina D estará sempre relacionada com a toma destes suplementos exógenos e subsequente aumento do cálcio sérico.

Depois há a vitamina C…

Recordam-se de ter referido num artigo anterior, sobre o açúcar, que os humanos são incapazes de produzir vitamina C a partir da glicose?

Hidrossolúvel, portanto, com muito menor probabilidade de causar toxicidade, a vitamina C é uma das mais importantes na saúde humana. É um antioxidante fundamental em inúmeros processos bioquímicos celulares, sobretudo os envolvidos na produção de colagénio. Só conseguimos obter vitamina C a partir da alimentação.

A nossa alimentação deve ser, pois, variada e colorida, plena de frutas e vegetais frescos. No entanto, estima-se que para obtermos a quantidade necessária de vitamina C — para nos proteger aquando de um stresse oxidativo excessivo — necessitaríamos de ingerir aproximadamente um saco de laranjas (15) ou tangerinas (30) … por dia… O fruto autóctone, em Portugal, mais rico em vitamina C, é a rosa canina. Não temos por hábito comer esse fruto silvestre, portanto, sugiro, em alternativa, suplementação de vitamina C natural com essa baga, quando o organismo está claramente em défice. Linus Pauling, cientista, Nobel em Química e “pai” da medicina ortomolecular, preconizava uma toma diária de 7 g de vitamina C para estarmos sempre de boa saúde e combater certas patologias (que desencadeou muito celeuma na comunidade científica). Na minha opinião, uma toma de 1000 mg diários quando estamos em risco de infeções víricas, para proteção, e 250 mg diários nos restantes dias do ano, é mais que suficiente para um adulto saudável.

Quando estamos com um défice extremo de vitamina C, padecemos de escorbuto. Em última instância, a pele é atingida, surgindo sangramento nos cantos da boca, nas gengivas, no nariz e outras zonas com muitos capilares sanguíneos. Antes disso, as articulações, sistema nervoso, órgãos, etc. já estarão muito afetados. Ainda nos está gravada na memória coletiva a morte de milhares de marinheiros, na época das Descobertas, por falta de alimentos frescos. Por falta de vitamina C.

Vamos focar-nos no sistema cardiovascular, olhando atentamente para as artérias.

Quando temos uma alimentação rica em alimentos processados e pobre em frutas e vegetais frescos, a parede interna das artérias — endotélio / túnica íntima — fica com a estrutura debilitada e começam a surgir pequenas microfissuras. Formam-se placas de arteriosclerose, a partir do colesterol oxidado, para as “vedar”. Embora a vitamina C possa não inverter a arteriosclerose estabelecida, pode impedir a continuação da degradação orgânica do endotélio, que é um sinal de inflamação vascular num estado avançado. A vitamina C, como antioxidante, auxilia na proliferação das células endoteliais correlacionada com a expressão do colágeno IV, impedindo a sua destruição.

A formação de placas de colesterol nas artérias, afinal de contas, é apenas o plano B do organismo para “tapar os buracos” provocados, primariamente, por uma alimentação deficitária em vitamina C…

Uma supercola…

No entanto, é o colesterol que é apontado como o bicho-papão…

Todas as sugestões apresentadas não dispensam o acompanhamento pelo seu profissional de saúde.

Ler 2575 vezes Modificado em segunda, 13 abril 2020 22:08
Ricardo Novais

Ricardo Novais é naturopata. Licenciado em Ciências Farmacêuticas, com pós-especialização em Análises Clínicas e detentor de pós-graduações em Terapias Naturais e Complementares e Acupuntura Integrativa, Ricardo dá aulas de farmacologia e nutrição integrativa em várias escolas de saúde do país.

O seu percurso pela saúde preventiva começou há vários anos, com a convicção de que a base da nossa saúde está numa alimentação natural, ou seja, o menos processada possível, aliada ao exercício físico e à eliminação/redução do stress diário. Tentando voltar à Mãe Natureza, conseguiu integrar os seus conhecimentos científicos com o poder curativo da Terra, proporcionando alternativas a nível alimentar, nutricional, e terapêutico.

Rúbrica “Cozinhar com amor, naturalmente…”

Mercê de um estilo de vida moderno, o ser humano passou a estar mais sujeito aos tóxicos externos, provenientes da poluição do ecossistema, da alimentação industrial, processada, e do uso exacerbado de medicamentos e aos tóxicos internos, produzidos pelo organismo quando se encontra em permanente stresse.
Devemos saber reconhecer os sinais que o corpo evidencia quando começa a ficar sem capacidade de eliminar os excessos. Devemos estar alertas para os perigos que podem sobrevir dessa intoxicação.
É fundamental conhecermos as ferramentas adequadas para favorecer a eliminação dos resíduos acumulados a nível celular e tecidular.
Da paleodieta ao crudivorismo, vamos mostrar comida simples e fácil de confecionar. Com um enfoque na conjugação de nutrientes e sabores e na transformação acertada dos alimentos, vamos proporcionar a melhoria da digestão, otimizar a assimilação dos macro e micronutrientes, potenciando assim a performance do corpo humano e a eliminação das toxinas.
Tudo sem abrir mão duma gastronomia rica e saborosa.